sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Estupro

Chorei.

No lugar errado. Na sua frente.

Mendiguei por você.

Lutei por você.

Mas você não se importou com a guerra.

Por dó ou compaixão você me deu, por algumas horas, o que eu precisava.

Mas me deu apenas migalhas.

Tentei desesperadamente te arrancar daqui.

Ficou esse buraco. Só buraco.

Olha aqui meu peito aberto. Dolorido.

Por dó ou compaixão você ficou ao meu lado.

Se forçou a estar comigo.

E agora eu aposto que se sente usado, estuprado.

Arrependido.

Deve ter nojo de mim.

Seus olhos não conseguem mais encarar os meus.

Não há mais nada a ser dito.

Te conduzi à exaustão.

Assim como meus sentimentos me exauriram.

Te contaminei gota a gota com meu veneno.

Estraguei tudo mais uma vez.

Estraguei o nós que nunca houve.

E agora a solidão veio deitar ao meu lado.

Cantar no meu ouvido. Abrir minha geladeira.

Dançar na minha sala. Bagunçar minha cabeça.

Apertar minha garganta. Morder os meus olhos.

Perfurar os meus pés.

Preencher o buraco no meu peito.




Dos Três Mal Amados

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço
O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome
O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas
O amor comeu metros e metros de gravatas
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos
O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.


"João Cabral de Melo Neto"

Um comentário:

Duli disse...

Essa semana foi curta e eu aprendi uma coisa: nunca se culpe por ser sincera, nunca. Não se sinta mal, mesmo que sinta que estragou algo, como no caso, a cumplicidade.
Como os olhos não se encontram, amiga? Por vc ter se exposto e se entregue da maneira mais honesta? Você não enganou e muito menos fez mal a alguém. Você tentou.
E se a pessoa não soube receber isso...bem a culpa não foi sua, te garanto. E mais uma vez, repito: vc não acabou com nada, pois pra q se apegar àquela situação que fazia doer aos poucos?
Agora foi. Nada mais atrapalha. Vc tirou td de vc. Tenha orgulho de ter sido autêntica.
Respira fundo...E acredite nas pessoas. Elas não são todas iguais. Siga em frente. Um certo alguém há de dar valor a uma pessoa extremamente intensa que não teve medo de expor os sentimentos e aí sim esse alguém vai valer a pena.
Só a partir daí a história se escreve.
se cuida...minha querida!
beijos