quarta-feira, 27 de outubro de 2010

***

Eu nunca quis jogar.

Quando criança. Eu sempre ficava de fora dos jogos.
Não por achar que eu não era capaz, mas porque realmente não tinha vontade nem interesse.
Todos brigavam comigo, não aceitavam essa postura.
Ninguém sabia explicar porque, mas tentavam de todas as formas me convencer que o “certo” era participar do jogo.
Eu nunca achei aquilo tudo certo ou coerente.

A vida é um grande jogo.

E ainda assim, muitas vezes, eu não quero participar.
Os relacionamentos, o trabalho, a rotina, o dinheiro, as expectativas, as pessoas, as tarefas são pequenos jogos.

Ainda não vejo coerência e vontade tenho cada vez menos.

O que há de errado em não querer participar de algo?
Minhas vontades são, ficar em casa e não me comunicar com as pessoas, exceto quando estou no palco ou no ballet.
O resto do tempo eu poderia passar apenas lendo, ouvindo e escrevendo.
Minha alma é Quidam. Minha vocação é Quidam.

Destinada somente à solidão.

*


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

... Uma pequena lembrança para que meu coração derreta e invada todos os outros órgãos, congelando meu estômago, rins e pulmões. Tão assustador quanto andar de avião. Eu sorrio com o diafragma e o peito estourados, sujando a tela do meu computador. Ao redor, as pessoas acham que minhas palpitações e tonturas são fruto de minhas dietas malucas. Não são não. Essas sensações são o fruto insano de um feitiço. Um feitiço de cinco palavras que me faz querer viver e voltar no tempo, ou correr com o tempo, todos os dias. Insano o suficiente para me fazer abrir os olhos todas as manhãs. Essa história, sem início nem fim, já desafia todas as possibilidades. Você se preocupa, mas eu não ligo. E essa mera lembrança, mesmo dolorosamente não bastando, basta.

Idéia fixa



Não consigo tirar aquelas palavras da minha cabeça.
Você se instalou como uma idéia fixa,
chegou invadindo meus poros.
Com apenas um sorriso,
veio parar em minhas veias.
Os dias passam porque eu me lembro
de quando você me prometeu o mundo,
a neblina misteriosa,
os olhares declarados e proibidos,
dos movimentos dramáticos
ao hipnótico aroma do vinho.
O vermelho do meu vestido e o negro da sua camisa.
O morno mel dos meus olhos
envolvendo o verde incandescente dos seus.
Você me ofertando uma dança violenta
com um corpo de madeira chorando em seu colo.
Um desejo novo a cada golpe.
E se hoje eu sinto essa falta de ar é só porque
eu inspiro e expiro você.

É...
“Nos encontramos numa próxima vida.”

sábado, 2 de outubro de 2010




Hoje acordei pra ouvir meu pianista favorito.
Essa chuva é tão adequada. A cidade toda cinza. De novo.
Como ontem, anteontem e na véspera.
Urubus pendurados em fios de postes.
A antena parabólica apontando, solitária, um céu que não vemos.
Carros correm como formigas. Pessoas defendem-se como saúvas.
Rasgando a pele de tudo que ameaça.
Eu piso em espelhos d’água exibidos na calçadas.
Não penso em comprar um guarda chuva.
Penso nas gotas que enchem meu casaco de petit poi.
Lembro da liberdade...
Essa deve ter gosto de chuva.

Menina-bolha

*

Sem fome, sem dormir, hiperativa, distraída.
Cansada de cobranças. Cansada das expectativas dos outros.
Cansada de me forçar a ser boazinha e adequada e querida.
Cansada da falta de maturidade de tudo que há em volta.
Da falta de leveza.
Da falta de sentido das ações, dos acontecimentos, dos pensamentos e dos sentimentos.
Cansada de tanta gente sugando minha energia e da falta de compreensão.
Da falta de liberdade.
Cansada de explicar que a solução não está na terapia.
Cansada de tantos olhos incomodados com minha expressão mais séria.
Cansada de ter que dar explicações pelo simples fato de ter assumido essa autenticidade.
Cansada de dar explicações. Quando tudo que eu preciso é viver. Em paz.

*