terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Deságua

Vou me esvaziando das pessoas.
Tenho essa tendência de ir me esvaziando das pessoas... enjoando...
Primeiramente, é tudo intenso, lindo, delicioso, psicodélico, extremo, divertido.
Depois... os lugares cansam, as conversas cansam, as risadas cansam.
Os olhares já não conseguem se sustentar, perdem o motivo e o brilho.
Não há mais porque se olhar.
As roupas perdem a estica. Vai ficando tudo amassado do lado de fora.
E aqui dentro.
Perde a graça.
A maquiagem parece estar sempre borrada.
A pele sempre machucada, amarelada.
Os olhos secos. O sorriso opaco.
O sorriso cai da boca. A boca assume um risco reto e sério.
Não há mais paciência, só a bebida e a decadência.
A atmosfera, que um dia foi encantadora, misteriosa e bela, torna-se nublada, escancarada, podre como todo o resto.
Então saio em busca de novas pessoas, de novos detalhes, dou várias outras chances ao mesmo lugar e às mesmas pessoas de me surpreenderem. Mostrarem detalhes novos, tentar me reconquistar.
Porém, mais uma vez tudo se revela exatamente daquele jeito chatinho que eu acabei desvendando antes.
Saio em busca então de outros lugares, novas pessoas, novos sorrisos, novos brilhos, encantamentos, novos amores...
Não suporto a forma como tudo vai se revelando e perdendo o encanto da mesma forma todas as vezes. Adoro descobrir quem são as pessoas, não gosto de descobrir que essas pessoas desistem de mim tão facilmente.
Acho que esse é o início do desencantamento.
É do mistério e da novidade que todos nós gostamos.
E enquanto todo o resto se conforma com aquilo, continua se enganando e aceitando aquilo, eu fico inquieta e enjoada.
Como um veneno sem remédio.
Uma sombra que cobre o sol.
O vento que irrita e bagunça seu cabelo arrumado para o casamento.
O cuspe escarrado na cara da criança morta.
Vou me destruindo com as conta-gotas de meu próprio veneno.
Até queimar a alma e o corpo de amargura e tristeza.
Uma espécie de preparação e preservação de forças.
Para quando aparecer um novo brilho no olhar de alguém, um novo sorriso franco, um novo encantamento, eu possa ressurgir de minhas cinzas nova e de roupas limpas. De idéias novas e olhar limpo. De pele nova e penas limpas.
Como uma Fênix.
Como uma Fênix.
Como uma Fênix.


"Help me, I'm falling down
Help me, I'm falling down the stair
Of my thoughts, my heart
Help, I'm slipping down
Help meI'm slipping down, I feel my skin dry
Miles away they could be rebirth
They could become a cloud
They could be anyhow
Just a small portion of the ocean, so…
Give me something softer cautionly (?)
Give me some feathers so that I can stop it and glide
And glide up
Like a little birds and glide up
Like an eagle
With gigantic wings
Master the winds of change
Master the winds
Reborn again
Like a phoenix
So help me
Help me, I'm gonna fly
Help me
Help me, I'm gonna fly so high
Like a phoenix
Born again like a phoenix
Born again like a phoenix
Born again"

Um comentário:

Anônimo disse...

Há um bom tempo atrás eu lia que a sensação de o tempo passar rápido em nossa vida é fruto da monotonia; da repetição de coisas banais. Logo que aprendemos a dirigir, a embreagem, as marchas, o freio, os outros motoristas ocupam boa parte de nossa mente, nossa atenção.
Depois esquecemos da embreagem, das marchas, e dirigimos em automático. Não prestamos mais atenção em nada, porque as coisas já não apresentam dificuldades, já não precisam de nossa atenção para acontecer; precisam somente de nossa presença. É só entrarmos no carro pra chegar ao trabalho; é só sentarmos diante do computador para que as coisas saiam.
É assim que acontece com nossas vidas: as novidades tomam nossa atenção no início, mas a repetição faz com que não percebamos mais nada; simplesmente sigamos o fluxo.
No entanto, alguns episódios marcam nossa vida profundamente. Várias de nossas noites boêmias, poéticas, idílicas, foram assim. Mas alguns episódios marcaram mais.
Lendo seu texto “deságua”, me lembrei instantaneamente de um desses episódios antológicos: estávamos sentados no Amarelinho, como de praxe, e de repente fomos tomados por aquele silêncio fruto da repetição, da monotonia. “Os olhares já não conseguem se sustentar, perdem o motivo e o brilho. Não há mais porque se olhar”. Você disse algo como “está chato aqui hoje”, se levantou, passou numas duas mesas se apresentando:
- Oi, eu sou a Fernanda Gardenal!
Numa dessas mesas você ficou, e em poucos minutos estava no meio da Maracatins com umas meninas que até alguns minutos atrás eram desconhecidas cantando “zumzumzum zumzumbaba zumzumbabaaaaaa”.
Eu lembro como se fosse hoje.