sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Os becos de Paris
















E se alguém perguntar por mim, diga que eu fui à Paris.
Diga também que fui atrás daquele romance tórrido com um integrante da população local do meu cenário atual.
Porque eu não nasci para menos.
Porque sou a personificação do romance e preciso de inspiração para meu novo livro.
Simplesmente porque eu quis assim.
Paixões sob luz de estrelas, nas ruas de paralelepípedos parisienses, ao som de acordeões, na boca dos leões.
A lua jorrando brilho e cantadas repletas de poesia.
Uma prosa de qualidade, talvez sobre Sartre, talvez sobre as coisas mais simples, uma baguete, um vinho.
Ou mesmo champagne.
Falar fazendo biquinho. Deitar na grama lendo um livro de algum poeta desconhecido do leste europeu.
Desvendar as sensações de Amelie Poulin. Encontrar Chico Buarque brincando de anônimo.
Beijar um desconhecido atravessando a rua. Quiches e bistrôs.
Mudar de opinião um milhão de vezes no mesmo segundo.
Usar preto, ser existencialista. Conhecer os becos de Paris. Os artistas dos becos de Paris.
Os pintores, os novos poetas, os músicos, os velhos escritores, os críticos, os ‘sem opinião’.
Invadir as telas daquele pintor calado, bruto e viciado em roer unhas.
Ser a tela do pintor e deixar que seus pincéis invadam meu corpo.
Trair, por amor ou safadeza, o pintor com o músico viciado em gesticular. Ser traída por amor.
E descobrir que ser amada pode ser bom. Fazer as pazes e, mesmo sabendo da hipocrisia de todos os relacionamentos, saber que ele escolheu ficar junto.
Que eu também escolhi ficar junto.
Ser blasé, na capital do blasé.
Ficar nua no calor do aquecedor do apartamento de sacada grande e arquitetura provinciana enquanto lá fora a cidade desaparece sob a neve.
Assistir a vida passando em câmera lenta... com o comprometimento dos dias que não sabem do fim.
Ou da noite. Correr pelo Louvre. Imitar a Monalisa. Fazer perguntas a Da Vinci.
Usar cachecóis e sentir a poesia escondida nas ruas esbranquiçadas. Incontáveis vernissages.
Intelectualóides irritantes tentando provar que sabem mais sobre arte.
Beijar, beijar, beijar, beijos franceses. Em elevadores, escadas, aeroportos, em pontes, taxis, cabines telefônicas.
Beijar apaixonadamente meu pintor de mãos eternamente sujas de tinta.
De mãos eternamente sujas de mim.
Rir dos gringos. E do mal humor xenofóbico dos parisienses.
Sem dar satisfações. Satisfazendo apenas a mim. Sempre sozinha.
Que fui sempre sozinha.
Viver o romance na mão dos inventores do romance. Castigá-los por terem inventado algo tão dominador e cruel.
Deleitar-me, refestelar-me em algo tão dominador e cruel. Até me libertar.
Deixar que a vida de Paris venha me tirar da minha cama. Até me atirar novamente em tais lençóis.
Em bons lençóis. Nos lençóis dele.
Escolher ser otimista e descobrir que ele também deseja um filho.
Diga que fui à Paris para viver todos os clichês. Ou só para viver, pois me cansei de apenas ver.
Porque agora é minha vez de sentir.
E porque dessa vez eu escolhi o romance. A contragosto.
Contra a vontade de todos. Inclusive a minha.

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