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O amor morreu. Fui privada por tanto tempo desse sentimento que o amor acabou morrendo dentro de mim. Me tornei uma dessas pessoas frias e céticas. Amarga, com depressões e síndromes. Fui privada de toda forma de romance. Tão privada que agora acredito que não preciso mais. Elimino qualquer possibilidade de romance. Levo todos meus relacionamentos da forma mais leviana e frívola. Pra não sofrer, porque aprendi a não ter expectativas e porque sei bem o que não conheci. Ou o que definitivamente doei e não recebi. E não estou falando do romance ou do amor mercadoria, desses de propaganda de margarina, não é isso não. Não precisa abrir a porta do carro ou cozinhar pra mim. Nem ser exímio dançarino ou comprar presentes. É bem daqueles gestos mais simples que estou falando, me esperar com cheiro de café novo em casa, me dar carona em dias chuvosos ou quando já é madrugada e eu tenho medo da rua, sem que seja necessário pedir. É olhar lá no fundo dos meus olhos e identificar o tamanho da minha tristeza, me ligar durante a semana pra perguntar se eu estou bem ou só pra me lembrar de tomar o remédio. É me conhecer de verdade. Nunca me deixar esperando por uma resposta e quando eu pedir pra me levar pra casa que seja realmente pra casa e não pra cama. É me convidar pra viajar ou pra ver coisas refrescantes, porque sabe que minhas obrigações já pesam o suficiente. É pensar em um programa pra fazermos juntos, e não deixar pra decidir no último segundo pra acabar fazendo nada. É reservar um dia inteiro pra passar na cama comigo. Só na cama, sem notebooks, telefonemas, amigos, estudos, trabalho ou família pra atrapalhar. É se impor como homem e ser bem claro no que quer, ser homem quando eu preciso e segurar minha mão bem forte só pra eu sentir que estou viva. Dividir momentos, risadas e planos e não deixar pra me contar na última hora. É me pagar uma dose de uísque num show de blues e me deixar só dançar, enquanto fica quieto ali no canto me olhando. Não é necessário me ouvir, até porque eu nem falo muito, mas é essencial me entender, não como mulher, mas como ser humano, como amiga. É me buscar em casa, não importa o dia e a hora, de surpresa ou não, pra dar uma volta, pra pegar a estrada, pra ver a noite e as ruas, só pra depois me levar pra casa, enquanto a tristeza foge do meu peito. Dividir o silêncio, as bobeiras e as loucuras, sem diálogos mirabolantes, apenas não se incomodar com o silêncio, com a mão passeando na minha perna. Não é dizer que me ama, mas me fazer sentir isso com certeza.